sexta-feira, 9 de outubro de 2009

Entre os arquivos e o futuro - O discurso negacionista e o antissemitismo contemporâneo.

Entre os arquivos e o futuro - O discurso negacionista e o antissemitismo contemporâneo.

Adriana Dias 
 Universidade Estadual de Campinas - Unicamp


  As imagens foram escolhidas por Rita Amaral. Obrigada, querida.
In memorian.
    Como Citar este Artigo



Introdução
O termo “revisionista” será tratado aqui entre aspas, pois este é o termo utilizado pelos sites analisados em sua autodescrição. Recordo que “revisionismo” e negacionismo não são sinônimos. O primeiro é a forma como se autointitulam os adeptos do discurso que defende a negação do Holocausto. Eles usam esse termo para defender uma pseudo-historiografianota 2 . Utilizamos o termo negacionista para descrever este projeto. Os sites analisados, portanto, são negacionistas e se descrevem como “revisionistas”. Em 2006, o Secretário-Geral da ONU, Kofi Annan, advertiu quanto ao perigoso crescimento negacionista: “Recordar é um repúdio necessário daqueles que dizem que o Holocausto nunca aconteceu ou foi exagerado. A negação do Holocausto é obra de fanáticos; devemos repudiar as suas falsas declarações, sempre que, em qualquer lugar e por quem quer que seja, sejam proclamadas”.



Recentemente, o bispo ultraconservador Richard Williamson causou enorme polêmica ao questionar a existência do Holocausto em uma entrevista gravada em novembro de 2008, mas que foi ao ar em janeiro de 2009. Posteriormente, no dia 26 de fevereiro, o bispo se retratou pedindo perdão a "Deus e ao papa" por ter negado a magnitude do Holocausto, segundo a agência católica de notícias Zenit. Em 12 de fevereiro, o papa Bento XVI, havia realizado uma alusão indireta ao caso, asseverando que "está claro que toda negação ou amenização deste terrível crime (Holocausto) é intolerável e, ao mesmo tempo, inaceitável". 



O tema da negação do holocausto também se fez presente na mídia internacional, pelas diversas declarações do presidente iraniano, Mahmoud Ahmadinejad. Estas manifestações negacionistas  proliferam pela Internet, desenvolvendo o que Pierre Vidal-Naquet, denominou assassinato da memória. 



Em sua minuciosa apreciação do “revisionismo” Vidal-Naquet o diagnostica a partir da leitura de uma “anatomia de uma mentira” (VIDAL-NAQUET, 1988, p. 16), evidenciando a impossibilidade do diálogo com o movimento “revisionista”, porque neste último se ignora a “opacidade irredutível do real”, afastando-se de toda possibilidade de reconstituição da verdade histórica. Como afirmou o autor: “na verdade, não se refuta um sistema fechado, uma mentira total que não se situa na ordem do refutável, pois aí a conclusão precede as provas” ((VIDAL-NAQUET,, 1988, p. 122). O presente artigo pretende demonstrar como estas “conclusões revisionistas” são difundidas pela Internet, a partir de uma matriz dos sites etnografados.






Fotogradia [close do rosto] de Pierre Vidal-Naquet
 Pierre Vidal-Naquet






Apresentando os portais analisados

Entre os portais da Internet que se preocupam, principalmente, com a sustentação deste discurso, estão o “Libre Opinion”, o “NSDAP/AO”, o “NuevOrdem” e o AAARGH. Muitos sites brasileiros continham (antes de serem retirados do ar) farto material revisionista. Concentro-me nos sites citados, que disponibilizam material em várias línguas, inclusive a portuguesa, por conta da experiência etnográfica que serviu de base a meu Mestrado. Na etnografia realizada pude desenvolver uma observação detalhada destes sites, que permite discutir o movimento revisionista.



O primeiro site, o “Libre Opinion”, é um portal argentino. Portal é um termo muito popular na Internet, que designa um endereço eletrônico que pode abarcar muitos sites. No seu código fonte o “Libre Opinion” se descreve como “Portal de portales para un Mundo Libre”. Sua página inicial foi denominada, por seus arquitetos, de “¡Bienvenidos a Ciudad Libre Opinión!” e no texto utilizado para sua indexação no Google, o portal se apresenta: “Insurreccion, revolución, denuncia, buscador con todas las páginas antisistema de la Red. Nacionalismo”. Atualmente o portal possui seções de Registro, de Acesso restrito aos membros, uma comunidade virtual (a Comunidad Libre Opinion), um servidor para blogs (com 34 usuários no momento da escrita deste artigo), um setor de classificados, uma agência de notícias, um livro de visitas, uma lista de correio eletrônico, uma seção de jogos online, um diretório institucional, no qual se descreve um centro de ajuda aos internautas, um centro de banners para download, o setor de “Términos y Condiciones”, que expõe as regras do portal para seus usuários, uma divisão de Publicidade e uma apresentação das formas possíveis para contatar o portal. 



Há cerca de 20 sites com conteúdo “revisionista” alojados no portal; mas este número sofre constantes alterações. Sites são retirados do ar (muitos afirmam que por perseguições da mídia, na maior parte das vezes caracterizada como “sionista”), outros tantos entram. Nestes há, no momento em que escrevo, 126 URLs (cada uma com artigos que ultrapassam, na grande maioria das vezes, trinta páginas) que tratam exclusivamente do “revisionismo” do holocausto. O portal mantém e divulga, ainda, a enciclopédia virtual eletrônica revisionista, a Metapédia.



O portal “Nazi Lauck NSDAP/AO”, citado pela rede como “NSDAP/AO”, não possui descrição em seu código fonte , e sua página inicial apresenta como título “Nazi Lauck NSDAP-AO Flags Posters Books Movies Films German Military Marches Pictures Art Militaria”, uma verdadeira descrição de seu conteúdo. Ou seja, há artigos, bandeiras, banners, livros, filmes, material a respeito do estado nazista (arte, militaria, rituais), fotos diversas. No site é possível, ainda, comprar material para ativismo. O site disponibiliza o endereço de seis sites mirrors nos quais é possível encontrar material semelhante, em outras línguas. Neste portal há seis sites que discutem o “revisionismo”.



O portal “NuevOrdem”, cujas palavras de indexação no Google trazem os termos de interesse do site numa mistura de várias línguas (como espanhol, inglês, croata, português, russo, alemão e romeno, entre outras, que vão sendo trocadas, continuadamente), apresenta as seguintes seções: Manifesto, que é uma espécie de declaração fundadora do site, uma carta de regras denominada Nuestros Princípios, uma página de contatos, uma comunidade virtual, a Vox Populi, páginas que contêm material ativista para imprimir, conferências em mp3, uma página de editoriais, La Voz Disidente, um diretório de livros e artigos, diretórios de notícias (um específico acerca do mundo judaico e outro que versa a respeito de imigrantes), diretórios com artigos cujos títulos são: Raça, Doutrina, História, Revisionismo, Arte, Cultura, Natureza, Consumo Responsável, Deusas, Rainhas e Mães (páginas dedicadas a assuntos relativos às mulheres do movimento) e Política. Há, ainda, uma página dedicada a comemorar os dez anos do Portal, e sites dedicados à mitologia, à obra de Wagner, a manuais de ativismo, às diversas bandas de música nazi, além de servidores de Chat, classificados e fóruns. O site oferece um índice com as atualizações mais recentes e outro com links para outros sites neonazistas e revisionistas. São ao todo mais de oito mil URLs, e novos conteúdos são acrescidos todas as semanas; em alguns períodos, diariamente. Em seu código fonte o site não se vale da descrição, mas apresenta como palavras chaves 868 vocábulosnota 4 . 



O quarto portal, o AAARGH, é o portal mantido por uma instituição que se denomina “L'Association des Anciens Amateurs de Récits de Guerres et d'Holocaustes”, fundada em outubro de 1996, e cujo “AAARGH” é um grito que visa expressar a raiva dos “revisionistas”. O portal tem mais de seis mil URLs e disponibiliza material nas línguas francesa, inglesa, italiana, grega, espanhola, hindu, turca, portuguesa, hebraica, russa, polonesa, norueguesa e árabe. Novas línguas são acrescentadas continuadamente, conforme permite o trabalho de tradução de dezenas de voluntários pelo mundo.  Nestes portais o movimento “revisionista” desenvolve, por meio do material disponibilizado, três militâncias políticas distintas. Neste ato de disponibilizar, a prática “revisionista” se revela. No conteúdo deste ato, um discurso é produzido, legitimado, reproduzido. Este discurso é também, portanto, uma prática. Nesta articulação entre as duas únicas “atividades necessárias e presentes nas comunidades humanas” (ARENDT, 1981, p. 34) que podem ser concebidas como políticas, a saber, a ação (práxis) e o discurso (lexis), como apontou Aristóteles, poderíamos pensar nas práticas desenvolvidas nos portais “revisionistas” citados como políticas: o zoon politikon digitalis se denuncia. O “revisionismo” dos sites, ato político evidente, se vale da tecnologia para disputar, primeiramente, a posse da verdade histórica. Dirigido a uma leitura do passado, objetiva negar as mortes industrializadas no Holocausto, tanto em sua quantidade, como em sua natureza. Não teriam sido milhões, não teria sido um genocídio. Os campos não eram matadouros, ou de extermínio, eram “apenas” campos de trabalhos forçados.



Numa segunda direção, os sites “neonazistas” defendem uma particular idéia de “liberdade de expressão”. Voltado para o presente, este segundo aspecto do discurso dos portais apresentados busca validar sua existência, seu sentido e sua manutenção. Finalmente, no terceiro aspecto construído pelo engajamento político destes portais, nasce a preocupação com o “projeto de dominação sionista”. Voltada para o futuro, esta bandeira teme ser silenciada em futuro breve, pelos que “delata”. Imagina que o mundo esteja se tornando, a passos largos, um lugar dominado pelos governos de ocupação sionista. Voltada para temporalidades diversas, em aspectos distintos de sua prática política, o movimento “revisionista” vem crescendo em todo o mundo, o que se observa na Internet pelo crescente número de internautas que acessam esses portais, ou que discutem seus temas em fóruns, comunidades e redes sociais digitais. Interessa-nos entender este movimento.





A disputa pela legitimidade de falar do passado

Ao desacreditar a história do Holocausto, o uso das câmaras de gás, o número de mortes, o movimento “revisionista” torna o próprio passado objeto da luta política dos sites: para eles, há o passado oficial, produzido, segundo os sites, pelo “mundo sionista”, e há o “passado” defendido por eles. O revisionismo, segundo os sites, deve ser entendido como se não pretendesse “pretender defender o Nacional Socialismo como doutrina, nem sugerir sua prática” (NuevOrden), mas como um movimento distinto que tem 



[...] pretendido por anos esclarecer a verdade sobre os chamados ‘crimes de guerra’ dos quais se acusa a Alemanha Nacional Socialista e graças aos quais se mantém a mesma Alemanha e a todos os outros povos do Ocidente com um pé na garganta ante qualquer tentativa de defesa de nossa cultura, com a ameaça de chamar-nos de "racistas" e assim, colocar-nos no Índice do Catálogo dos condenados nesta sociedade supostamente livre e democrática” (NuevOrden). 



Descrevendo o “revisionismo” como um movimento neutro, não político, mas apenas “histórico”, os portais desejam imprimir a ideia de que são equívocos quanto aos dados históricos da Segunda Guerra que precisam ser revistos, para que seja possível retomar o “nacional-socialismo” sem, necessariamente, ocupar a cadeira dos réus. A história denominada de “oficial” passa a ser discutida como uma “propaganda de guerra” dos vencedores e, portanto, um resgate da “história verdadeira” traria de volta a dignidade dos que perderam a luta e, consequentemente, o poder de determinar a verdade dos fatos. 


Foto de um campo de concentração no inverno.Campo de concentração nazista



Um dos mais impressionantes textos acerca do movimento é “22 Paralelos entre a Caça de Hereges e a Caça de Revisionistas”, nos quais os internautas que arquitetaram o portal “NuevOrden” apresentam vários argumentos que pretendem fazer o leitor chegar à seguinte conclusão: se os hereges foram cassados por se colocarem contra a verdade do sistema vigente -a Igreja -, os “revisionistas” também o são por se rebelarem contra a verdade do sistema vigente, a saber: a “história oficial”. O debate se inicia a partir da notícia da condenação do historiador David Irving, sentenciado a três anos de prisão  por afirmações revisionistas.  


Os autores apresentam como principal argumento o de que, durante a Alta Idade Média, “uma atmosfera carregada de homicida intolerância e fanatismo religioso” aterrorizou a Europa, “nossa civilização”, e provocou imensas e violentas ondas de perseguição a hereges e bruxas, “sob a tremenda acusação de ter relações com o diabo”. O discurso analisa os motivos que teriam permitido que as autoridades religiosas e seculares, “dominadas pela histeria coletiva”, declarassem “como coisa provada o que até agora resulta impossível de se provar, e sobre esta base, sentenciavam para seus autodeclarados inimigos um horrível destino”. Desta forma, ao compararem o sistema religioso da Alta Idade Média à historiografia contemporânea, os autores julgam que, definitiva e diretamente podem associar, também, os perseguidos pela Inquisição e os adeptos do “revisionismo”.



Entre os vinte e dois argumentos apresentados alguns nos são interessantes para discussão no presente artigo (os textos extraídos dos portais “revisionistas” estão em itálico): 


Ao igual que os hereges cristãos eram inapelavelmente equiparados com falsos predecessores (exemplo: os cátaros anticristãos), assim os “revisionistas” são todos falsamente equiparados com nazistas e fascistas’. Na verdade, acusações de nazismo e “revisionismo” são distintas, e nem sempre ambas são tipificadas como crime. No Brasil a negação do Holocausto não é crime, embora haja projeto de lei que proponha sua tipificação.


’Os perseguidos não são culpados de ação criminosa alguma. A grande ofensa está em que eles estudaram criticamente certas concepções oficiais (estatais) e fizeram públicos suas descobertas; só em razão disto é que se fizeram puníveis de castigo, além de execráveis. São culpados de ação criminosa a partir do momento em que o Estado tipifica o crime. No Estado de Direito há leis que garantem direitos e deveres e que tipificam os crimes, diferentemente do mundo medieval. 


Seu crime é a não crença na religião oficial do Estado (dogma). Quem determina as leis é o   Estado e não a Igreja. Não há dogmas; há leis.



A ação vigorosa de chantagem/censura legal e social não deixa às pessoas dissidentes, críticas da verdade protegida por lei, alternativa que transmitir “ilegalmente” suas opiniões ao público. Interessantíssimo problematizar o que eles chamam de “verdade protegida por lei”. Para eles a defesa de uma “outra verdade, dissidente”, é um ato legítimo.



Eles são vistos como apostatas e em razão disso denunciados e perseguidos. Na verdade são criminosos. 



Na verdade, o objetivo primordial deste tipo de perseguições não é castigar as vítimas, senão mais bem, pôr cabeças ensangüentadas na picota, para escarmento e dissuasão de outros potenciais críticos à ideologia de Estado. Novamente, uma discussão política a respeito de quem deve deter o poder sobre a verdade.



Tal como ocorreu durante a caça medieval de hereges, também em nossos dias os mais viciosos excessos à hora de castigar os crimes de pensamento têm como palco a Alemanha. A Alemanha perseguida pelos defensores da verdade oficial, pátria dos neonazistas, sofre o drama de mais uma caça às bruxas. 



Problematizando os argumentos apresentados pelo portal, podemos pensar como a discussão política encontra apoio num fato histórico que se centrou na religião. A ideia central aparece neste contexto: o que se pretende, na verdade é apresentar a “verdade oficial histórica” como um “dogma de Estado”, como “um elemento religioso” que cega “toda racionalidade” e emudece “toda ciência” como escreve o portal. Omitindo, inclusive, que as grandes vítimas da Inquisição medieval foram os judeus, exatamente porque não partilhavam a fé dominante, os “revisionistas” manobram a história da Inquisição a seu bel-prazer, torcendo dados para que caibam, adequadamente, em seus argumentos. Para dar conta do “revisionismo”, os sites produzem milhares de páginas: sua versão dos fatos precisa ser divulgada. Voltado para o passado, o “revisionismo” não deforma apenas fatos relativos ao Holocausto. Permite-se fazer isso com qualquer fato, texto, laudo, foto, arquivo, desde que sirva para legitimar-se. Como escreveu Moura Mello, “se o passado é um campo de disputas, as mediações com os arquivos podiam oferecer ferramentas para autorizar os discursos e versões do passado (Moura Mello, 2009)”.





Olhando para o presente: pelo direito de “expressão”


Em seus argumentos, o portal NuevOrdem denuncia que a tipificação do “revisionismo” como crime teria transformado “nada menos que a Alemanha; sim, precisamente a Alemanha, a outrora grande nação europeia, agora convertida pelo judeu num Guantánamo para revisionistas”. Contribuíram para tanto, nos informa o portal, a “pesada” perseguição da imprensa, da polícia e do judiciário sobre o grupo. Os autores do texto denunciam que dezenas de milhares de pensadores “dissidentes”, os “negadores do holocausto” estariam sendo castigados com penas “desproporcionalmente severas”. Apenas na Alemanha, mais de 10.000 pessoas estariam sendo condenadas anualmente. Na Áustria, a pena máxima para o “revisionismo” foi elevada a vinte anos de prisão, o que eles consideram um verdadeiro absurdo. Na Europa “uma série de artimanhas jurídicas e a poderosa pressão de Alemanha-EUA, quase em segredo, e às custas do povo e do parlamento holandês”, têm pressionado governos, a exemplo da Holanda, para calar, exemplarmente, os “revisionistas”.




Para os participantes do movimento esta seria “uma violação inaceitável, motivada politicamente, dos Direitos Humanos, da liberdade de expressão, da liberdade de imprensa e da liberdade de ciência”. Para os membros do “AAARGH” é um absurdo que o “revisionismo” do Holocausto seja considerado um crime grave. Na França, as pessoas podem ser levadas para a prisão por até um ano; na Suíça, até três anos; na Alemanha – assim como em Israel – até cinco anos; na Áustria, é possível a prisão até 10 anos. Tudo isto impede a liberdade de expressão, necessária a preservação dos Direitos Humanos, repetem eles. Outro argumento, apresentado pelo portal “AAARGH” é econômico:



Desde o final da Segunda Guerra Mundial, a Alemanha pagou bem acima de 100,000,000,000 (uma centena de bilhões) de marcos em indenizações a indivíduos Judeus e instituições. No decurso dessas compensações, para cima de cinco milhões e meio de candidaturas feitas por sobreviventes do Holocausto foram processadas. Obviamente, o número de sobreviventes é bastante grande. Uma vez que as obrigações Alemãs não têm lei estatuária, as exigências para indenizações têm sido ininterruptas e têm-se agravado nos anos recentes. No entanto, nós não estamos a dirigir a pergunta se aqueles que exigem mais dinheiro são os verdadeiros designados, após cinqüenta e cinco anos. Muito mais importante é a questão de porque é que o pagador de impostos Alemão do dia de hoje terá que pagar estes montantes. 99.9% de todos os pagadores de impostos da Alemanha de hoje têm sessenta e cinco anos ou menos e esses eram quase todos pequenas crianças quando a Guerra acabou.



Ou seja, ao reconhecer que o número de vítimas é infinitamente menor, se provocaria significativa redução nos impostos pagos pelo povo atualmente.






O “revisionismo” e o futuro: a paranoia da dominação sionista mundial

Na denominada “Ciudad Libre Opinion”, o medo da dominação sionista sobre os povos de origem ariana é assim descrito: “Hoje as nações Arianas estão literalmente ocupadas pelas forças sionistas, pelo egoísmo, pelo poder do dinheiro e estas forças negativas usam de todos os artifícios, desonrados e imorais para deturparem o significado espiritual da Suástica”. Os mesmo judeus, que não foram vítimas do Holocausto, segundo afirmam os portais “revisionistas”, são emoldurados como inimigos, como perseguidores, como arquitetos das forças destruidoras que investiram contra “as nações arianas”. No portal, um internauta (que se identifica como Flávio Gonçalves) expressa sua opinião:




"Completamente irreal" é como se classifica a possibilidade da Alemanha nazi ter procedido ao extermínio de seis milhões de judeus durante a II Guerra Mundial”.



Este estudante de história garante não pertencer a qualquer partido; define-se politicamente como sindicalista revolucionário e ecoanarquista e considera que o Holocausto é "o álibi perfeito" para o Estado de Israel: "qualquer coisa que Israel faça de mal, tem sempre a desculpa do Holocausto”. 




Na mesma linha de argumentação, outro membro da comunidade do portal cita Ford: “O judeu é adversário de toda a ordem social não judaica...”. Outro, acrescenta, num fórum: “O judeu é um autocrata encarniçado... A democracia é apenas um argumento utilizado pêlos agitadores judeus, para se elevarem a um nível superior àquele em que se julgam subjugados. Assim que conseguem, empregam imediatamente seus métodos, para obter determinadas preferências, como se estas lhes coubessem por direito natural.“ No mesmo portal, aliado ao “revisionismo”, outro membro da comunidade virtual escreve em seu blog: “Em outra obra, chamada “Hitler - Culpado ou Inocente”, lemos: ...os judeus mortos nos campos de concentração foram sacrificados deliberadamente pêlos [sic] sionistas, em prol de seu ideal maior".



A ideia de condenar os próprios judeus pelo Holocausto, absurda e paranóica, tem, contudo, uma direção política: é preciso convencer quem lê estas argumentações de que este mesmo “judeu” quer dominar o mundo e o fará, de fato, amanhã. Reescrever a história é, portanto, uma forma de manipular o futuro.





Algumas considerações finais




Imagem de tabuletas de madeira apontando passado, futuro e presente, a ´última apontando  tanto para o passado como  para o futuro.




 Acerca de si mesmo o “revisionismo” informa, no portal etnografado “NSDAP/AO”:





“O que é o Revisionismo? A palavra "Revisionismo" deriva do Latim ‘revidere’, que significa ver novamente. A revisão de teorias guardadas há muito tempo é perfeitamente normal. Acontece nas ciências da natureza assim como nas ciências sociais, à qual a disciplina da história pertence. A ciência não é uma condição estática. É um processo, especialmente para a criação de conhecimento pela pesquisa de provas e evidências. Quando a investigação decorrente encontra novas provas ou quando os pesquisadores descobrem erros em velhas explicações, acontece freqüentemente que as antigas teorias têm que ser alteradas ou até abandonadas. Por "Revisionismo" queremos dizer investigação crítica baseada em teorias e hipóteses no sentido de testar a sua validade. [...] Assim como outros conceitos científicos, os nossos conceitos históricos estão sujeitos a considerações críticas”.


 O “revisionismo” afirma: 




“Não há provas que o Holocausto, tal como é apresentado pelo Grupo de Pressão de Promoção do Holocausto e pela altamente politizada indústria de Hollywood, tenha ocorrido”. 



 Os “revisionistas” afirmam e argumentam que não havia política de estado que apelasse para o "extermínio em massa dos Judeus" ou qualquer outra minoria indesejada. 




“(...) A Alemanha de Hitler era inflexível em não querer que os Judeus fizessem parte da Alemanha porque eram considerados prejudiciais para a criação de uma sociedade etnicamente coesa tal como era imaginada por Hitler. O Führer queria os Judeus "fora da vista." Não tinha grande simpatia por eles. Mas é aí que a história pára. As voltas Talmúdicas e giros que alguns desse povo ainda executam, quando "realojamento" e "evacuação" de Judeus subitamente se transformam em palavras de código para "exterminação", são espantosas. Mais uma vez: Eram centros de detenção. NÃO eram centros de matança”.



 Neste ponto a ideia evolucionista se estende à história: a ciência também evolui e a ciência histórica em sua evolução, revisaria, pretende o discurso etnografado, a questão do Holocausto. Ciente de que distribuir textos “revisionistas” é ato criminoso em muitos países da Europa, o site em análise questiona:




“Embora o “revisionismo” do Holocausto não dirija nada sobre Judeus por si mesmo, todas as comunidades Judaicas sentem-se muito ofendidas, porque o Revisionismo, directa ou indirectamente, chega à conclusão que várias personalidades Judaicas não foram sempre verdadeiros quando testemunharam sobre as suas experiências na Segunda Guerra Mundial. Claro, seria surpreendente se os Judeus fossem o único grupo identificável de seres humanos que nunca mentem, adulteram e exageram, mas aparentemente os líderes representativos Judaicos sentem que a ninguém poderá ser permitido invocar que certos Judeus foram desonestos sobre o Holocausto".



A argumentação se direciona para uma construção negativa; os judeus não podem ser o único povo que jamais mente. Então, é provável que sobreviventes tenham mentido. Logo, é certo que os dados precisariam ser revisitados e, portanto, é um dever reescrever a história. 




Um contraponto à visão “revisionista” dos portais se situa no livro “A Escrita ou a Vida”, de Semprun (1987), descrito pelo próprio autor como uma tentativa de exorcizar a experiência de Buchenwald. A transmissão da experiência da travessia pela morte, na morte e com a morte. Semprun denuncia, neste livro, exatamente o que todos os sites “revisionistas” pretendem empalidecer: o que fazer diante de milhares de mortes? A pergunta que ecoa no livro incomoda: “o que fazer com o cheiro de carne queimada?” Pretendem os sites “revisionistas” tornar a fumaça da chaminé inodora?


O luto de Semprum se contrapõe a qualquer possibilidade de revisão histórica, porque deflagra na memória o cheiro da morte. A capilaridade de seu testemunho inquieta. A memória se alimenta desta inquietação. Nutrida, a memória se contrapõe ao relato dos sites revisionistas: e o Revisionismo se revela, por fim, como a continuação do extermínio, como assassinato da memória, como “nova solução final”. 



Diminuir o impacto do massacre nazista sobre os judeus, proposta que se pretende histórica no “revisionismo”, é fornecer, segundo Franco Ferrarotti, um álibi ao crime. Contra a tentação do esquecimento, é preciso romper, segundo o sociólogo italiano, qualquer forma de silêncio e denunciar a realidade que se esconde sob o negacionismo: uma mentalidade conspiratória, demarcada por um antintelectualismo, que “vocifera violentas manifestações xenofóbicas”. 



O movimento “revisionista” na Internet busca o desenvolvimento da “legitimidade” para o movimento neonazista na rede. Estes grupos têm se expandido de forma gigantesca pela WEB. Como escreveu Susan Zickmund, “os indivíduos que propagam ideologias nazistas tradicionalmente operavam isolados, com poucas ligações estruturais maiores. Mas com o advento do correio eletrônico e do acesso às páginas da Internet, esses subversivos estão agora descobrindo meios de propagar suas mensagens além dos limites estreitos de suas ligações pré-estabelecidas”. Na rede, a comunicação circula mais rápido e a menos custo. Também para propostas subversivas. Contra elas, adverte Ferrarotti, há o “imperativo moral de recordar”, para impedir que a manipulação política do “revisionismo” detenha poder sobre o passado em questão e no presente que vivenciamos. Principalmente para a construção de um mundo mais tolerante, no futuro. FIM



Notas
  Doutoranda em Antropologia Social pela Unicamp. Membro da Associação Brasileira de Antropologia e da Latin American Jewish Studies Association.
  Este movimento, segundo Moraes, inclui: “(1) a defesa e a reabilitação do nacional-socialismo, do III Reich em geral e de Hitler em particular, (2) a tentativa de provar a ausência de culpa da Alemanha pela Segunda Guerra e (3) a banalização, a justificação ou mesmo a negação da inexistência dos campos de extermínio e do Holocausto nazista.” (Moraes, 2004: 757).
  Código fonte é o conjunto de palavras ou símbolos escritos de forma ordenada, contendo instruções em uma das linguagens de programação existentes, de maneira lógica.
  Uma pequena amostra: Nacionalsocialismo, Hitler, letizia ortiz, letizia ortiz principe felipe, ribadesella, protocolo real, prometida principe, ex letizia ortiz, divorcio letizia ortiz, alonso guerrero, alonso guerrero letizia ortiz, sardeu, natalidad, demografia, princesa de asturias, casa real, compromiso principe felipe, inmigracion, inmigrantes, a, 0, aa, nazi, neonazi, bajo la tirania, fascista, neofascista, caballeros teutonicos, beca, Ernst Kaltenbrunner, Alfred Rosenberg, Joseph Ratzinger, Hans Frank, Wilhelm Frick, Aryan Nations, Naciones Arias, ZOG, 88, 1488, sistemas politicos Gustav Krupp von Bohlen und Halbach, Karl Doenitz, Erich Raeder, Baldur von Schirach, Fritz Sauckel, Alfred Jodl, Martin Bormann, Franz von Papen, Arthur Seyss-Inquart, Albert Speer, Constantin von Neurath, Hans Fritzsche,arte historia cultura artes chat chats canal canales exposición exposicion exposiciones bellas bellasartes belleza dibujo dibujos grabado grabados, Die Sturmartillerie, pinturas escultura esculturas artistas artista pintor pintores escultor escultores español dibujante dibujantes obras obra españa hispanoamerica velazquez van gogh goya murillo ribera greco zurbaran ramses miguel angel durero leonardo manet monet rembrandt caravaggio gauguin meninas chinchon, 11-m, SS, SS, arios, indoeuropeos, raza, racismo.
  





Bibliografia
ARENDT, Hannah. A Condição Humana. 5º Edição. Rio de Janeiro: Ed. Forense Universitário, 1981.
DIAS, Adriana. Os Anacronautas do teutonismo virtual; uma etnografia do neonazismo na Internet. Campinas: UNICAMP,  2007 (Dissertação de Mestrado). 
DIAS, Adriana. Links de Ódio: Uma etnografia do Racismo na Internet. Monografia de Conclusão de Curso em Ciências Sociais, Universidade de Campinas, 2005.
FERRAROTTI, Franco. La tentazione dell’oblio – Razzismo, antismetismo e neonazismo Roma: Editori Sagittari Laterza, 2002 
MOURA MELLO, Marcelo. “Visões do campo sobre o arquivo (e vice-versa)”, In DULLEY, Iracema e CUNHA, Flávia Etnografia, etnografias: ensaios sobre a diversidade do fazer antropológico (no prelo), 2010.
MORAES, Luís Edmundo de Souza. “O “revisionismo” Negacionista” In: SANTOS, Ricardo Pinto dos (org.) Enciclopédias de Guerras e Revoluções do século XX. Rio de Janeiro: Elsevier, 2004VIDAL-NAQUET. Pierre. Os Assassinos da Memória. Campinas: Papirus, 1988.

Nenhum comentário: